sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Fulgido Lucido

A vida quase nada. Rara. Dada. Farta.
Ainda assim nada. Quase nada. A vida tão rasa.

Eu caminhei durante algumas horas da madrugada pela cidade com aqueles companheiros tão antigos de cachaças. Minha cabeça em outra estação, eu tinha muitas historias para contar.  Muita vida para viver. Cigarros e algumas taças de vinho barato em cima da mesa. Os companheiros nada animados falando sobre os frangos e os ovos estalados do almoço de hoje. Nenhum entusiasmo. Este é um momento de introspecção me disseram. Para que tanta agitação? E tudo farfalhando no aqui dentro. Mas esta tudo bem, esta tudo assim tinindo de amor e, uma tranquilidade na respiração, no perceber os dias se consumindo e o meu corpo morrendo todo dia mais um pouco.

Em mim brotam rosas
Musgos nascem abaixo dos meus pés
A minhoquinha em dias de chuva penetra os ouvidos
Abaixo das axilas as lagartixas passeiam
E de dentro do nariz dezenas de boroletas saem para voar ao sol.

Eu caminhei durante algumas horas da madrugada com aqueles companheiros de festas. E nos seus caminhares pisando o asfalto eu escutava retinindo a ansiedade de encontrar algum sentido para a vida. Aquele momento se destruindo e a mistura de bebidas para fazer alegrar a vida. Eu tinha muitas historias para contar. Aquele olhar que me atravessava de incomodação. As historias de cima na serra, atravessando o rio com a canoa, os sabores na minha boca. Tudo fulgoroso, apenas no de dentro de mim. Os companheiros procurando algum motivo para pegar a manga  verde do pé. Fazer uma ceia na avenida com a mesma insatisfação de fumar um cigarro sem vontade, apenas para ver o papel pegando fogo. Eu estava ali, cheio de historias. Os postes, os barcos revirados e o mar assobiando à chuva. Os maltrapilhos querendo dar as mãos, sentar junto a mesa, fazer companhia naquele pedaço de vida cintilando diante dos meus olhos. As historias que eu gostaria de escutar naquela madrugada.

Cinco estrelas acima do céu
E aqui embaixo a prata prefulgente
Queimando a calçada turva
Porque tudo é tao nitido sobre a testa?

Eu caminhei durante algumas horas da madrugada com aqueles companheiros que não sabiam absolutamente nada. Insistindo por alguma alma que lhes dessem abrigo e sexo. E há tanto sexo nas ruas. Ouvia-se os latidos no fundo, que a mim parecia qualquer coisa tal qual o zumbindo de uma mosca rodeando em cima da torta de maçã: Queremos ser felizes. Eu tinha tantas historias para contar. E ali a garrafa de alcool que nao secava pela trivialidade das conversas e o mal estar de não ter mais nada a fazer, diante da conformação de se estar infeliz. Dentro da carne aquele desprezo incalculável dos companheiros pela própria insensibilidade do corpo. A esquizofrenia como um maleficio destrutivo. E tantos poetas mortos. A criatividade desistindo pela incapacidade de não se deixar ser nada. Eu sonhava em voltar para debaixo do teto. Cama e lençol, a comida quente e aquele barulho de água caindo por sobre o telhado.

Marfim era o galo
Lilás o dromedário
Dourado o cavalo
Vermelho era o boi

Eu caminhei durante algumas horas da madrugada com aqueles companheiros mortos. E em cima dos meus ombros muito peso. Muitas cidades, e poucas histórias. Eu tinha muitas histórias. Aquela das montanhas, da bala perdida invadindo o teto de casa, a da faca perfurando a carne viva, o do amor flamíneo feito adaga irrompendo o bruto músculo. A minha volta meia duzia de cadáveres em um beliche. Implorando mais uma vez por vida. Era preciso esfolar o corpo para deixar que o liquido quente e viçoso escorresse pelas pernas frias. Estupido desejo o dos mortos. As chaves de casa, o sol  brilhando os brinquedos do parque. Minhas mãos sobre o peito. Lapso efeito. Amanhã tudo será desfeito. Eu tinha tantas historias. O desejo.

As crianças brincando
Jabuticabeiras, Araçás
Um fio de cabelo antigo
O cheiro de café coado
Os panos de chão na janela
Limoeiros e Taperebás

Eu caminhei alguns minutos durante o dia de volta a casa. Os companheiros com suas lapides. Fracos na vida, fracos na morte. Eles bem que tentaram, todo mundo tenta um dia.  E depois o debaixo da terra. A vida uma via de repetidos acontecimentos. O truque extraordinario. Um taxi rumo a qualquer avenida. Movendo o movimento. Apaixonada trama bordada. Rachaduras e delicadezas. Destemida existência de ser. Eu tantas historias para contar. Um mundaréu de sonhos para transcrever.

Os crisântemos amarelos.Ossada ressignificando o tempo. Feito ilibado
Irradiado brado. Tudo dado. Fulgido Lucido Raro.












terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Palito de fosforo queimando na obscuridade

Imagina, a gente pensa que esta protegido em todos os lugares, por conta de uma ideia civilizada de que nao podemos sair por ai, matando as pessoas com um foice na mao, uma arma a tira colo. E ainda assim ha tanta gente morrendo pelo mundo afora, sendo assassinada dentro do metro, na rua indo comprar pao na padaria da esquina, nas boates da cidade, ou enquanto estao dormindo aquecidas por seus cobertores de algodao, deitadas sobre a almofada de pena de ganso.
Teodoro tinha 25 anos quando resolveu sair de casa. O cafe da manha,a tapioca com queijo, a minuscula maleta de roupas velhas, e uma caixa de livros com a bibliografia incompleta de Charles bukowiski. A bota gasta pelas andancas e um suco concentrado de manga. A mae havia lhe alertado sobre a malicia do mundo: Ha tanta gente ruim espalhada nesse planeta meu filho. Te lembras daquele filme? gente mal intencionada, se fazendo de cordial para matar a troco de nada. Toma cuidado! Fique sempre alerta, e cuidado por onde andas.
A vivacidade juvenil de Teodoro nao acreditava  nas maldades dos filmes de terror que permeavam o pensamento de sua mae.
Tudo bem mae! Eu to protegido! Vou prestar atencao em tudo. Nao te preocupes...e no mais reza por mim sempre.
Teodoro uma passagem de aviao. Cinco pratos de comida. Um dorme aqui e acolá. Teodoro o primeiro aluguel. As noites de verao com muito calor deitado sobre o chao gelado da casa. As estrelas no ceu. Teodoro uma vida inteira pela frente, com as prostitutas da zona 39. Nas igrejas de Imaculadas Redencoes. Um gole de cerveja, uma carteira de cigarro.
Os dias de Teodoro contemplando o verde mar e o voar dos passarinhos em dias de chuva. Um brinde!
E Teodoro um pedaco de pao, uma batata cozida com cebola e alho. Um café ralo sem acucar. A madrugada com os putos da cidade. Uma ceia farta de jantar. Um banho de agua quente. Champanhe e profiterolis. Sempre quiz comer profiterolis. Um dinheiro no bolso e o bolso vazio. A falta de comida na geladeira, a perca de 10 quilos na semana. O sangramento na gengiva por falta de vitamina C. Teodoro e um abacaxi bem doce, uma laranja gelada na boca. O despejo da casa. As baratas caminhando por sobre as panelas. Charles Bukowiski. A mae orando em casa: Deus esta contigo meu filho.
Teodoro o filho de Deus. Um rapaz de tantas vidas.
(..) Eu joguei fora um material horrivel, mas nao tao horrivel como o que eu leio nas revistas, eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais que nao  me deixara fingir uma coisa que nao sou- o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa na poesia e o racasso de uma pessoa na vida, e quando voce falha na poesia, voce erra a vida, e quando voce falha na vida, voce nunca nasceu nao importa o nome que sua mae lhe deu. As arquibancadas estao cheias de mortos, aclamando um vencedor. - 
O emprego de balconista do supermercado do bairo. Teodoro definhando e tanta vida la fora: Uma bota nova para dar novo sentido a existencia. Aprumado. Uma colonia no pescoco para encontrar Maria, Livia, Janaina, Caetano e Joao. Teodoro no entardecer solitario rindo das palmeiras balancando. Da fruta sendo comida pelas formigas. Teodoro banhando-se na chuva, juntando os poucos centavos para comprar as miniaturas do salao de artesanias. Teodoro e a vida cheia de esperancas e novidades.Um aparecer e desaparecer.
A historia da humanidade. Um livro. A enciclopedia do mundo. O seu.
Camaleao atravessando a selva de pedra. Uma feijoada no fogao. A tigela de acai com farinha e peixe.Teodoro cavalgando um peixe-boi nas noites iluminadas do Marajó. Teodoro distante dos bufalos, dos caranguejos, e das canoas nos dias de domingo. Da sua mae dizendo: tu nao tens ideia de o quanto eu te amo menino.
Teodoro devorando o quintal de casa. O mundo. Abrindo a porta. Longe do lar, e dos risinhos travessos dos irmaos. Teododro um manto de estrelas. Os jovens desaparecidos. O heroi nacional assassinado. A oportunidade que nao pode ser adiada. A aversao a rotina, aos valores preestabelecidos. O sentimento de liberdade. Teodoro o foguete. O cometa cruzando o atlantico. Estrela soturna cadenciando em algum lugar da america latina. A mae dizendo: Nao te metas em aventuras perigosas e inconsequentes. Teodoro a faca no pescoco, a briga na rua. Teodoro embriagado jogando-se ao mar. Tres horas da madrugada. Teodoro e uma concha na cabeca. As pessoas. Teodoro revoltado com o nascer do sol e os risinhos de felicidade nas noites de verao. O desejo suicida. A morte distante. O dia longo. Os minutos eternos nos sonhos esquizofrenicos de Teodoro. Caco de vidro. A cocaina fazendo mal a saude. O povo la fora cantando. Teodoro e os nao me toque. A possessividade dos pensamentos. As flores desabrochando no quintal. A mae dizendo: Quando tu eras pequeno, eu depositei tanto amor em ti, que nada de ruim na vida te afetara. Fostes benzido, meu amor, benzido.
Teodoro e as crencas populares. O mastruz com leite. As bonecas de papel atras da porta para fazer o temporal cessar. O tabaco em frente a porta de casa para as Matintas, e a agua de cheiro no topo da cabeca nos dias de quadra junina. Teodoro e os cem mil anjos rodeando o seu corpo. A simpatia da fala sincera. O corpo carismatico no andar desajeitado de alguem que nao sabe, mas quer ser feliz. Teodoro e a cancao secreta contra as mazelas do mundo.
Imagina, que a gente se acha tao forte, tao donos de si, que quando menos esperamos, um bicho de pe fura a pele, uma bacteria deixa em coma centenas de pessoas no Japao, e o ebola assola o continente africano. O museu Nacional pegando fogo. O sadam Hussein sendo enforcado. O dinheiro nao podendo salvar a vida dos entes queridos. Os milhoes de desempregados pela falencia empresarial.
Quando Teodoro chegou na casa de Vicente, pensou o quao seria maravilhoso sua estadia ali. Vicente lhe mostrou a casa, o quarto, a piscina, a sala de esportes e video,  e a dispensa farta, avisando-lhe de sua viagem por duas semanas para outro Estado.
Pessoas gentis no universo, dividindo um pedaco de pao, um lugar para dormir, doando roupas, sapatos, e um chá quente para esquentar o estomago. E ainda existem pessoas que reclamam  da existencia. Dadiva. Teodoro uma mansao. Os melhores canais de televisao do mundo.Os agradecimentos a Deus por todos os dias de vida ate aqui. O desejo de chegar aos cem anos de idade. Teodoro e os minusculos sinais do tempo sobre a pele. Sempre a lembranca da mae, desde o dia em que saiu de casa: Cuidado meu filho. Cuidado! Fique atento nas perversidades.
Teodoro no entanto, acreditava na ternura, na bondade e no desejo que a humanidade tinha de alcancar a paz e beatitude espiritual. Ele mesmo buscava a sua. O sonho de uma casa no mato. Um lugar tranquilo para sonhar. Uma tartaruga, aves no quintal e uma cotia. Mas agora Teodoro.  Uma maca no estomago, os cinquentas centavos na rua para comprar bombons. Os coqueteis nas aberturas de vernissagens. Teodoro miseravel, e suas pernas o automovel nas grandes cidades. Teodoro e as coisas que ninguem nunca fez. Teodoro sórdido e virtuoso, feio, mal. Iluminado. Luz solar. Fogo. Teodoro sangue de coracao. Abajur pegando fogo no quintal. Teodoro de pes descalcos por sobre os limos dos manguezais. Teodoro e a lua cheia brilhando na janela do quarto. O livro de ecologia para salvar o planeta. Teodoro e as dozentas tribos indigenas do Brasil. Um passaro vermelho sobrevoando os ceus de Belém. Uma cobra encantada nos igarapes.
Imagina, a insatisfacao e infelicidade da populacao urbana nos ultimos anos aumentando os indices. A terra umidecida pela chuva, os beija-flores e abelhas sugando o nectar das orquideas, os espermatozoides fecundando óvulos. O cheiro do bolo de laranja, A uva doce adocando o paladar. Na faixa de Gaza o conflito secular- tantas mortes.As mulheres sendo espancadas por seus maridos, e as criancinhas na Italia molestadas pelos padres. As pessoas boas perdidas no mundo. Tantos sonhos aniquilados. E homens e mulheres jovens e velhos ojerizando a experiencia de estar vivo. De comer o ovo, o arroz e o feijao de todo dia. Bradando contra a vida pela falta do cigarro Holliwood de todos as semanas. E sao tantos  os que agora  estao atormentados pela leucemia. Pelo estagio terminal do HIV.
Terminar sozinho no tumulo de um quarto sem cigarros nem bebida- careca como uma lampada, barrigudo, grisalho, e feliz por ter um quarto...de manha(...)
Nesse dia Teodoro havia chegado muito cansado, depois de uma longa caminhada pelo bairro historico da cidadela. Tomou banho, um café com leite. Ligou o som, e deitou-se na cama para descansar. Fazia um frio como jamais tivera experimentado. Despreocupado, dormiu sem trancar a porta do quarto de onde estava hospedado- acao que nunca deixava de realizar todas as noites , após exaustos passeios pelas ruas. Os carros la foram silenciavam aos poucos, e só ouviasse os apitos espacados dos vigilantes com suas bicicletas circulando entre os becos. As nuvens encobriam as estrelas. Teodoro um gato no telhado. Teodoro o caminho tao longo. O palhaco no circo. As noites de amor que jamais esquecera. Teodoro e as pessoas no fundo sao boas. Teodoro o relogio na parede. Teodoro e os sonhos de menino nunca realizados. A casa na arvore, as escavacoes no patio da escola para encontrar fossil de dinossauros. Teodoro um menino de asas. E os muitos desejos a papai do céu. A sua mae com a roupa cintilante na virada do ano de 1989. Cabelos longos. A gargalhada tomando conta da casa, invadindo os apartamentos vizinhos. Feliz ano novo. Feliz Ano novo. E a mae falando baixinho: Meu menino, como tu crecestes! Mas para mim sera sempre aquele. Arredio, com os olhos de bicho desconfiado. O mundo te dói filho? Saiba que eu estarei sempre aqui. Teodoro, O dono de si. Nao mamae nao ha o que temer. Nao deve haver medo de nada. Teodoro e os dias de medo das  coisas. Do rato entrando noguarda-roupa, de se olhar no espelho de madrugada. Do jeito do pai que parecia fulminar a presenca do menino em todos os lugares.
E de repente se escuta um barulho na casa. Teodoro acorda assustado, mas nao move um musculo. Passos, barulhos de pegadas se aproximando. Teodoro e o coracao acelerado. Teodoro e o esquecimento da porta que nao fora trancada.
Há um passaro azul em meu peito que quer sair, mas sou duro demais com ele, eu digo, fique ai, quer acabar comigo? (...) há um passaro azul em meu peito que quer sair, mas eu sou muito esperto, deixo que ele só saia em algumas noites, quando todos estao dormindo. Teodoro e tudo escuro, apenas a respiracao ofegante. E a lembranca antes de sair de casa há oito anos. Meu filho tem tanta gente ma no mundo, que a gente nem desconfia. Teodoro e a respiracao ofegante. Teodoro e os livros sobre seriais killers. Teodoro e o pensamento insistente. Pessoas boas , pessoas más. Pessoas crueis que matam a troco de nada.
O passo se intensificando em direcao a porta do quarto. Teodoro e Vicente. Teodoro e as estrategias para se levantar antes que a porta se abre. O colar no pescoco, patuá. Tres oracoes sobre o peito. Meu Deus me ajude. E todos os santos. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte. Teodoro e uma cancao na memoria. Ele nao sabe que seu dia é hoje. Ele nao sabe que seu dia é hoje. Abrem a porta. Teodoro e seu assassino. Nao pode ser verdade meu filho. Uma faca. Teodoro sem forca. Sangue. Gritos. Teodoro e a vida cheio de enigmas. Choro. Do outro lado da America. Teodoro um corpo no chao. Sua mae: Eu te amo e sempre vou te amar. A gente se conhece há tanto tempo meu filho. Teodoro. Teodoro. O galo canta. O boi muge. É um novo dia. É um novo dia. O dia acorda. Teodoro também. É um novo dia.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

vela acesa em um pueblo

Um pingo de salsa caiu na minha blusa. Desastre. Lembrei da crianca com as maos, a boca e a roupa melada pelo sorvete de acai nos dias de domingo, da torta de baunilha no restaurante,  a mamae dizendo: Nao aprendeste  a comer feito gente. Com essa idade e a mania feia de meter a mao na comida, se lambuzar todo. Tu nao aprendes né? Que bonito aquela coisa de se melar, deixar a roupa manchada, e isso tudo de comer com a mao.Usar dedos como garfo e faca. Depois a mae reclamando que nao dava pra tirar as manchas da roupa e tudo mais, as antigas recomendacoes que ja conheco.
Outro dia conheci uma senhora que so comia com as maos, e ela me disse que ficou encantada: Meu filho eu estava em um casamento, sabe, aquelas pessoas muito bem aprumadas, muito champanhe, coisa de gente que tem dinheiro. Na mesa um monte de talheres e copos, aquela comida toda. Eu ali me sentindo estranha, mas devo te dizer que a comida era boa, e pensei, porque eu devo comer como os outros?  Meti a mao no prato- uma porcelana rica, e comecei a comer. No meu pueblo se come assim. Limpei as maos no guardanapo, e me senti muito feliz. Isso tudo é costume! No teu pueblo também comem assim com as maos? Eu respondi: Nao, nao senhora. Eu nao sei, mas e que eu nao perdi o costume de juntar o farelo do prato com os dedos, de segurar o frango com a mao, e de agarrar uma imensa folha de alface. Ah sim , sim...e nao é mais gostoso? ela me perguntou...Sim sim!
Eu admiro as pessoas que nao perdem alguns costumes, principalmente se elas gostam de sentir os alimentos, e andar descalcas...tu andas descalco, meu filho? Sim, Sim! Coisa boa né? Muito bom mesmo....agora voce ve essas pessoas todas, muita gente acha que eu sou uma sem-educacao,eu sei que algumas pessoas pensam isso...mas entao eu fico surpresa e muito feliz, quando vejo alguem da sua idade fazendo isso. E ela foi me contando um monte de historias, que onde mora nao tem privada, e que vai ali no matinho mesmo feito gato, e ta tudo resolvido...adubo direto...e assim leva a vida, mantendo o contato com a natureza, com os bichos e com a morte. Ouca bem, a vida esta em todas essas coisas simples. E depois veio o homem e inventou a colher meu filho, a faca, tem coisa mais perigosa do que ter faca dentro de um restaurante? Eu a escutava atento, e sorria tambem. A gente nao leva nada do mundo. Vai ter um dia que ninguem mais vai comer com as maos e nada disso sabe, de soltar pipa na rua, de brincar de gude acender vela pros mortos...eu eu ia me perdendo no pensamento. e cada vez mais distante, pensando na salsa, na roupa manchada, na mamae...Nossa, para onde uma salsa na roupa nao leva a gente. A vida é realmente absurda. Absurda e cheia de surpresas.