terça-feira, 3 de março de 2015

Eva.

Todas as tarde quando o sol se despedia do dia
no tronco de uma árvore a rapariga com enfeites no colo se sentava a beira rio para despedir-se das tristezas daquela vida.
E quando o sol se abaixava, escondendo-se atras do verde musgo da floresta, ela sorria e pensava que agora  morreria mais uma vez.
Se vestia de uma roupa fina e rebelde, para correr até a ribanceira. Delicada deslizava nas águas prateadas do rio. Os cabelos encharcados na preamar flutuavam feito cobras na superfície da doce água. Aos poucos o seu corpo cheio de proeminências e curvas bronzeadas pesava e ela ia afundando serenamente no calar da noite por entre os jacarés açus as piramutabas e as ninfeias vermelhas.
O meu rosto, o meu canto, as paisagens de chuva pingando. O  corpo todo molhado. A goteira dentro da casa. Ninguém vai ter isso como eu.Os caranguejos brincando de se esconder no quintal. 
As catitas cantando dentro do sofá. Os mortos se multiplicando na passagem. Pés, cabeças os olhos petrificados. Adubo da minha existência. Aquela incógnita da vida. Tu és a vida. E tudo era ontem.
A dor do ventre, do amor em pranto, os sonhos de menina correndo debaixo das arvores de araçás e murucis. Aquela noticia do rapaz se jogando em frente ao caminhão.
A vida ardendo como os dias de calor em Belém.
O dia amanhecia. O sol do outro lado da floresta. O vento espalhando as sementes de cumaru.  O corpo da rapariga subindo às águas morenas de todas as manhãs. Um cheiro cheiroso para atrair rapazes em cima dos barcos, de um lado para o outro trazendo as noticias ribeiras, levando o peixe seco e a farinha de puba torrada para tomar com açai. A mansidão do patchouli na cabeça. Os passos após os outros por cima das tabuas do trapiche.
Eu nasci daquela pontinha ali do céu, ta vendo?
A luz era tão forte meu amor. Eu do teu lado  noite após noite. A gente jurando aquelas coisas bonitas. Dançando boca a boca e a tua a ponta dos dedos deslizando minha roupa. A morte da dor, a vida quente e úmida debaixo de nossas pernas. A cabeça sem aquelas dores de gentes dizendo as confusões do mundo.
 Tu entrando no quarto, nosso corpo de poraquê iluminando as gambiarras das palafitas, e os meninos correndo para se jogar no igarapé. Depois a gente debaixo dos lençois furados, os carapanãs beliscando a pele. A gente é tão bonito. A gente era tão bonito. E tu indo embora. A casa de madeira agora oca, flutuando no rio, me levando para as encostas de uma outra ilha acima do tapajós. O romper da aurora. E tanta beleza dentro de mim.  Explodindo  lentamente no abandono de ser quem se é. Toda a história em uma canção. O meu lugar enfeitado, cobras e bem-te-vis.
Embalada na rede despedindo-se do sol a rapariga sonhava acalentada pelo zuado encantador da floresta. Dias e noites. A vida arde num instante. Ontem, hoje, o futuro. A paixão arrebatará ela novamente. Por enquanto ela olha: é tão bonito, tão bonito estar aqui.